Manoel, 70 anos, não se lembra da última vez em que ficou doente. Não toma um remédio sequer e não passa um só dia sem trabalhar.
Trinta gotinhas de própolis todos os dias, mel no lugar do açúcar e uma paixão sem medidas pelo que faz: eis o seu segredo.
– Eu falo que devo quase tudo na vida às abelhas. E é verdade.
Na sociedade das abelhas, as funções são divididas por igual. Manoel Eduardo Tavares Ferreira diz que a rainha não dá ordens e trabalha mais que todas as operárias.
Ainda revela que as abelhas começam a trabalhar pela comunidade logo quando deixam o casulo. Sempre em grupo, com união.
O Manoel menino viu o pai ser perseguido pela ditadura, começou a trabalhar na adolescência, foi criado rodeado de leitura, na casa onde “podia faltar roupas, mas livros nunca faltava”.
Para esse Manoel, a sociedade das abelhas tem muito a ensinar ao ser humano que está longe de aprender.
– Na sociedade das abelhas todos sabem o seu dever e ninguém manda em ninguém. Politicamente, é uma sociedade socialista.
Manoel não pode mudar o mundo. Mas com as abelhas que tanto ensinam, sente que está fazendo a sua parte.
É sócio de uma das maiores empresas de mel e própolis do Brasil, um dos fundadores da ONG Pau Brasil, ativista das causas ambientais.
– Com todas as dificuldades que passei na vida, sempre tive a consciência de fazer o melhor possível para conseguir mudar um pouco esse mundo tão egoísta. Sempre pensei assim: só posso estar feliz se ao meu redor as pessoas estão bem.
Warwick Kerr, o homem que revolucionou a apicultura no Brasil.
Aos 15, 16 anos, Manoel participava de um grupo de estudos chamado Colméia, na escola Otoniel Mota, mas pouco sabia sobre a vida das abelhas.
Na palestra que o Dr. Kerr fez para o grupo, os insetos tomaram sua atenção. Manoel ganhou um livro sobre as abelhas e saiu por aí a fazer experimentos.
Pegava enxames, tirava abelhas de telhados, transportava de bicicleta as abelhas que fizeram parte do seu primeiro apiário, na mata de Santa Tereza.
Quando terminou o colegial, já estava mais que decidido a seguir pelo caminho das abelhas.
Passou em agronomia na USP de Jaboticabal e diz que vendendo mel para os colegas conseguiu se sustentar durante a faculdade.
Quando terminou o curso, em 1975, foi trabalhar com crédito rural em São Paulo, profissão que levou por sete anos, até voltar para Ribeirão Preto e decidir, com um amigo, trabalhar com os produtos que as abelhas dão.
Nunca deixou de ter seu apiário e sentia que era a hora de torná-lo empresa.
– A gente já tinha tanto mel que não conseguia mais nem dar para os outros.
Surgiu assim, em 1982, a Apis Flora. Além do mel, passaram a comercializar o própolis.
– Fomos pioneiros no Brasil. Fora do Brasil, já se usava própolis, mas aqui ainda não era utilizado.
Hoje, é o principal produto da empresa, que vende produtos das abelhas a outros países.
Aos finais de semana, era assim: o pai levava Manoel e seus quatro irmãos para caminhar na natureza.
Manoel conta que, naquela época, acima na avenida Nove de Julho era tudo mato.
A caminhada começava no Centro, onde a família vivia. Muitas vezes, iam andando até a mata de Santa Tereza, onde anos mais tarde Manoel construiu seu primeiro apiário.
Quando a ditadura veio, trouxe sofrimento. O pai passava meses desaparecido, fugindo dos militares por lutar por uma sociedade igualitária.
Manoel diz que, desde que começou a pensar o mundo, buscou uma forma sustentável de viver. Uniu forças com suas abelhas.
E vê que há ainda um caminho imenso a ser percorrido.
– A legislação ambiental avançou, mas não são avanços significativos.
Ele diz que, em alguns lugares do mundo, as abelhas estão sumindo, sufocadas pelo uso de agrotóxicos.
– O principal trabalho das abelhas é a polinização. Na China, estão fazendo a polinização das flores e frutos manualmente. Você vê a que ponto a humanidade está chegando?
Na ideia de fazer a sua parte, coloca também os hábitos do dia-a-dia.
Não come carne, opta pelos alimentos orgânicos porque entende que, assim, o meio ambiente sofre menos.
Pensa em ir se aposentando até o final do ano, ir menos à empresa, deixar o legado para o filho e viver no sítio, com seu apiário e o verde que tanto faz bem.
Tem planos, porém. Quer criar um viveiro, transformá-lo em fundação e deixar para a comunidade.
– Eu acho que a gente tem que trabalhar até o fim da vida. Não parar nunca.
E segue.
– Pelo menos um pouquinho a gente ajuda, fazendo a nossa parte para ver um mundo mais justo e melhor.
Cada abelha sabe o seu papel na colmeia e, até o fim da vida, dá o melhor de si pelo todo.
Eis a sociedade das abelhas. Eis no que acredita Manoel.